Volta-se a falar de aborto e se volta a julgar e a condenar. No Missal Cotidiano, da Paulus, página 1592, diz que “havia apenas quatro anos que Pio IX enriquecera a Igreja com o sinal luminoso do poder salvador concedido pelo Pai ao redentor: Maria, sua Mãe, cheia do espírito Santo, totalmente preservada do pecado, é Imaculada. A 11 de fevereiro de 1858, Maria manifestou-se, cerca de dezoito vezes, como “Imaculada” A Bernadete Soubirous, numa gruta de Lourdes, até 16 de julho”.
Por falar em aborto e por falar em Maria.
Fico imaginando Maria, Mãe de Deus, como personagem da parábola do “Bom Samaritano”. E prossigo a fantasia: se, na margem da estrada, estivesse uma “Maria que sangrava por um aborto provocado”. Persisto na minha elucubração e presumo que um Bispo de Guarulhos caminha por aquelas bandas. Enfim, idealizo que algum padre conservador cruza com aquela Maria.
Qual seria o procedimento deles? Pergunto-me.
Iniciemos pelo fim. O bom padre passava ao largo, não poderia compartilhar com o aborto. Ele era a favor da vida, era seu dever não compactuar com tamanho pecado. O “santo” bispo, cheio de falso moralismo, jamais pensaria em descriminalizar tal ato. Condená-la-ia de imediato. Iria além, denunciaria a infame delinqüência à polícia. Aquela pobre mulher, vítima da sociedade, para aqueles dois homens da Igreja, já estava julgada e condenada.
Por fim, vinha Maria, a Mãe de Deus, que tinha inúmeros motivos para cair na tentação de condenar e pecar, mas se esquivou da arrogância e da vaidade e, com simplicidade, num gesto sereno, age como na visita a Isabel. Primeiramente, é Ela, a Mãe de Deus, quem vai em direção a “Maria que sangrava por um aborto provocado”, sinal de solicitude e disponibilidade. Ao se aproximar da mulher fragilizada é, novamente, Ela quem faz a saudação. A presença de Maria frente àquela filha desvalida, não causa apenas alegria, mas provoca a presença do Espírito Santo.
Depois, idealizo a reação daquela mulher, não julgada nem condenada, mas que identifica a presença de Deus misericordioso e reconhece Maria como a Mãe do Messias: Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre, Jesus. Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do meu Senhor?
O que fez Maria? Simplesmente reconheceu a presença do Senhor naquela mulher e agiu com uma atitude fraterna, resgatando a dignidade daquela tão necessitada.
A gravidez, dom da vida, era o pretexto central do encontro de Maria com Isabel; com “Maria que sangrava por um aborto provocado” o fim da gravidez era o motivo fundamental. Nesses dois momentos tão distintos, extremos e paradoxos, Maria glorifica o Senhor. Maria nos ensina a levar Jesus nas mais diversas situações, nos mais diferentes ambientes e em todos os encontros, principalmente, como os mais necessitados.
É assim, que Maria quer ser lembrada, como alguém que quer que Deus seja honrado nela e por intermédio dela. Maria não deseja e nem quer ser tratada como “estrela”. O que Maria quer e deseja é que, por meio dela, a “Maria que sangrava por um aborto provocado” encontre Deus e torne-se capaz de confiar Nele.
É assim que devemos amar Maria, como exemplo de caridade e de amor para com o próximo, como alguém que ama gratuitamente os desamparados e tem o devido respeito ao ser humano. Que não condena, ama. Tem misericórdia.
A “Maria que sangrava por um aborto provocado” mereceu toda misericórdia de Maria porque era uma irmã fragilizada e vivia numa situação de vulnerabilidade. Aquela mulher, como qualquer outra mulher, não é feliz por sofrer um aborto, espontâneo ou provocado.
A Mãe de Deus percebeu e não a condenou. Agiu como exemplo de caridade e de amor para com a “Maria que sangrava por um aborto provocado”, um comportamento pautado nos valores de solidariedade, fraternidade e misericórdia. Seu procedimento foi segundo seu próprio conselho: “Façam o que Ele disser”. E Ele sentenciou: “atire a primeira pedra...”.
Assim é Maria, serva. Reconhece-se serva, percebe sua insignificância social e sua humildade moral. Serva é um título honroso porque está a serviço do Pai. É um título de humildade porque é um instrumento da vontade de Deus.
Quem a vontade do Pai faz, não condena porque não julga.