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telefone tocou logo depois que chegamos da
missa. A Ana atendeu e me passou. Era o padre Lino dizendo que mataram o César,
o companheiro da Joana Darc.
Ele
havia levado duas facadas às quatro horas daquela manhã. O corpo se encontrava
no IJF. Fomos lá. E de lá à delegacia fazer um boletim de ocorrência, depois
fomos esperar o corpo no IML. Na manhã seguinte, foi sepultado no cemitério do
Bom Jardim. Éramos poucos no último adeus!
Nasceu
na miséria, na miséria morreu. No registro da carteira de identidade somente
consta o nome da mãe, que mal conhecia. O pai nunca viu. Alcoólatra, tinha como
companheira uma viciada em crack. Eles – o César e a Joana – não conheciam
nenhum tipo de vida sem essas drogas.
Conheci
na Casa Dom Luciano Mendes há uns cinco anos. Com nove anos, me falou um dia,
já na rua sem conseguir dormir e com medo, me ofereceram uma “pinga para passar
o medo e dormir”. Nunca mais parei de beber. Naquela noite ele, o César, tinha transposto
a linha tênue que separa um mundo do outro, caiu decisivamente no mundo das
drogas, na margem de nossa sociedade.
No
último retiro dos moradores em situação de rua participou ativamente. Na
encenação da parábola do bom samaritano foi aquele que socorreu o ferido. Foi o
próximo. Que ironia, pois a vida toda foi um ferido da desigualdade sem
conhecer o próximo que lhe desse a mão, que lavasse suas feridas.
Passou
fome, pois nunca teve lugar nessa sociedade e jamais foi motivo de preocupação
do próximo, uma vez que este estava preocupado em reservar toda a sobra para si
mesmo.
Ao
relento dormia. Dormia por detrás do Banco Central, debaixo da marquise do
Bradesco ou no jardim do Banco do Nordeste. Passava a noite perto da Catedral
ou na praça do Coração de Jesus.
Apesar
de tão perto, existia um grande abismo entre esses poderes e ele. E, talvez,
poucos lugares dessa nossa sociedade isso era tão evidente quanto a imagem de
seu papelão nas praças e marquises dessa nossa cidade.
Ironia
ou denúncia?
Pois
é, o César foi mais um que mataram à beira do sistema econômico e à margem do
poder religioso. Será que ele era invisível ou será que somos cegos?
Quem
vai chorar a morte do César?