A
irmã Socorro Beleza pediu-me que dissesse algumas palavras recordando o ano que
passou. Lógico que ela se referia ao Ano Litúrgico.
E,
assim como no ano passado, nós estamos no período do Advento nos preparando
para o Natal. Depois vem as oitavas de Natal, em seguida o Tempo Comum, chega
Quaresma onde a gente se prepara para a Semana Santa. Depois Pentecostes, Tempo
Comum e chegamos ao Advento mais uma vez.
Se
usarmos a imagem de uma montanha, poderemos dizer que o ano litúrgico nos
convida sempre novamente a subi-la como que em espiral. De ano em ano passamos
pelas mesmas paisagens, mas a cada vez a celebração dos mistérios nos atinge de
modo diferente, ou deveria nos atingir de forma distinta, devido à nossa
realidade sempre inédita, nova, incomum. Isso depende da intensidade de nossa
participação e de nossa abertura ao mistério.
O
certo é que nós fazemos isso ano após ano, fazemos essa subida em espiral e nessa
caminhada cumprimos todos os preceitos, participamos de todas as celebrações, fazemos
novenas, vamos à missa. No entanto, corremos o risco de não mudarmos o nosso
modo de ser, a nossa maneira de agir, o nosso comprometimento.
O
ano litúrgico parece não mexer com a gente. Se o ano Litúrgico não mexe nem
remexe com nosso dia-a-dia, essa nossa
caminhada está sendo vazia, sem criatividade e sem paixão. Apenas a cumprimos
embora de maneira rotineira. Repito, apenas a cumprimos, mas o nosso modo de
agir, o nosso comportamento não muda. O ano Litúrgico parece não nos dizer nada,
não nos toca, parece ser outra coisa. É como se fossem duas coisas distintas:
nossa vida eclesial e nossa vida na sociedade.
O
papa Francisco nos alerta quando diz que “se, através de Jesus, Deus se
comprometeu com o homem a ponto de se tornar como um de nós, quer dizer que
tudo o que fizermos a um irmão ou a uma irmã, a Ele o fazemos. Foi o próprio Jesus quem no-lo recordou: quem alimenta, acolhe, visita e ama um
destes mais pequeninos e mais pobres entre os homens, ao Filho de Deus que o faz”.
Adicione
às palavras do papa Francisco as palavras de João Batista, as quais sempre de
novo ouvimos a cada Advento: “No meio de
vós está ALGUÉM que não conheceis”.
Isso
acontece porque, talvez, a gente não saiba aonde procurar. E onde encontra-Lo. É
lá nas pessoas simples e humildes que devemos encontrá-LO. Pois são elas que
têm testemunhos de amor. Como vai dizer Pagola: “São pessoas entranhavelmente boas”.
Essa
gente pelas quais passamos e muitas vezes nem consideramos gente. Essa gente
não é a Palavra de Deus, mas essa gente é a voz que nos convida a fazer o
verdadeiro ano litúrgico. Essa gente não é a Luz, ninguém é a Luz, só Ele é a
Luz, essa gente não é a Luz, mas irradia a Luz no seu caminhar, no seu
testemunho, no seu sofrer.
Então,
essa caminhada que fazemos em espiral, todos os anos, e que não mexe com a
gente, deve remexer com nosso modo de agir. Talvez nossa caminhada tenha muita
devoção e pouca fé. Fazemos novenas, terço dos homens, rezam-se mil Ave Maria,
adorações. Tudo mais e tudo bem. Mas quem
alimentastes, quem acolhestes, quem visitastes e quem amastes?
Enfim,
parece ser mais fácil e cômodo praticar minha devoção do que vivenciar minha
fé. E quando alguma vez vamos em busca do preso, do nu ou do faminto,
principalmente agora nessa época do ano, quando levamos um prato de sopa à
Praça do Ferreira, sempre o fazemos como se fôssemos melhor, superior a eles.
Não conversamos com eles, não falamos de igual para igual, e, certamente, a verdadeira confraternização natalina
somente pode acontecer entre iguais. E, por ventura, se alguém fosse maior,
não tenhamos dúvidas, seriam eles.
Assim,
nas palavras do profeta, a gente só percebe que começa a conhece-Lo quando Ele
cresce e a gente diminui.
Então,
somos convidados sempre de novo a subir a montanha, pois este caminho nunca
está concluído. Como na vida de cada um de nós há sempre a necessidade de
voltar a partir, de se erguer, de reencontrar o sentido dos passos de Jesus, de
sua caminhada. Peçamos como salmista: “Fazei-me
conhecer a vossa estrada, ó Senhor”.
Um
natal cheio de paz e sabedoria para todos e todas da comunidade da, digamos
assim, comunidade da Irmã Socorro Beleza.