Q
|
uando adolescente gostava de uma música do Marcos Valle que dizia: não
confie em ninguém com mais de 30... eu acrescentaria, não confie em ninguém que
não goste de café...
Só me sinto pronta para enfrentar a luta do dia a dia depois do café, um
golinho que seja. É impossível acontecer algo que seja proveitoso, inteligente
ou interessante antes daquele ritual gostoso de colocar na xícara essa grande
invenção culinária, adoçar e depois mexer vagarosamente e enfim solve-la
sentindo o prazer insubstituível dessa bebida.
É uma combinação de temperatura, cheiro e sabor indescritíveis.
Posso já ter passeado com o cachorro, olhado as manchetes dos jornais, falado
rapidamente com algumas pessoas, mas só começo realmente o dia depois de
uma boa xícara de café.
É mais que um hábito, é uma filosofia de vida.
Café não é só um líquido escuro, que já foi branco quando flor e
vermelho na maturidade, café é pausa, é conversa, é confidência, é pretexto, é
enrolada no trabalho, é ritual. Café agrega, inicia, termina, alivia a angústia,
aumenta a alegria, repõe a energia, diminui o cansaço, levanta o ânimo.
Santo remédio.
É democrático, se deixa acompanhar por qualquer coisa: doce, salgada, pode
ser um simples pão francês, uma tapioca, um cuscuz, um bolo de laranja ou
chocolate, pode vir sozinho. Não se faz de rogado, faz o que se quer e como se
quer...
É dócil, sempre se comporta bem, se deixa misturar com leite, com
chantilly, com álcool, com chocolate. Podem chamá-lo de cappuccino, frapé, encorpado, carioca, maqueatto...
ele segue adiante com um sorriso maroto, compreensivo... dos que não tem nada a
temer.
Não perde a pose tanto faz estar num copo de geleia ou num limoge, vem com toda galhardia, consciente
de seu poder, da sua aceitação, da capacidade de agradar a todas as camadas
sociais.
Pode vir fresquinho ou numa garrafa térmica azul, jorrando e enchendo
sem parar copinhos de vidro.
Maravilha.
Tomar um cafezinho pode ser um convite de encontro que nunca acontecerá,
de cortesia ou um apelo sincero para um agradável encontro, um afável papo
que se converte em um longa, reveladora e inesquecível conversa.
Um cafezinho é uma desculpa para se ir ao aeroporto e tomar várias xícaras com deliciosos pães de queijo bem baratinhos.
Enfim, com sua docilidade, acolhida vai costurando amizades, tecendo
planos, criando sonhos, fechando contratos. Quem o esnoba não sabe o que está
perdendo, mas nunca é tarde:
- Aceita um cafezinho?
Ana Lúcia Lino