terça-feira, 17 de julho de 2012

Por que isso acontece?


E
stávamos nós conversando na despedida do semestre, a Casa Dom Luciano Mendes fecha por trinta dias, quando um morador disse ao outro:

- Vamos ficar o mês de julho mais sozinhos do que nunca.

E desabafou com lágrimas nos olhos.

- Quando era pivete, meus pais trabalhavam dia e noite quando não estavam desempregados. Não sei qual era o período pior. Quando desempregados, bebiam e batiam na gente, somos seis. Quando trabalhavam, davam lucros aos que empregavam eles, continuavam sem dinheiro e nunca nos viam. Compravam fiado ao homem da bodega, que no fim tomavam tudo deles. Eles ficavam com raiva do bodegueiro e iam beber e bater em nós. E eu ficava sem saber por que isso acontecia.

Morávamos numa lamaçal envenenado. Vivíamos num barraco com outra família, éramos dez. O divertimento do filho mais velho do outro casal era bater em nós. Minha irmã mais velha começou a namorar com ele para a gente apanhar menos. Pegou um bucho e ele não quis mais saber dela. Papai botou ela pra fora de casa, nunca mais eu vi essa minha irmã. E eu ficava sem saber por que isso acontecia.

Morávamos numa lamaçal envenenado. Nesse amontoado de gente no meio do lixo, de nossas necessidades e dum poço d’água, sobrevivíamos. Não tínhamos dinheiro, morávamos no meio do entulho e da fossa, e cheios de doenças que se espalhavam entre nós. Perdemos dois com tuberculose. Devo ter tido, não sei como me curei. O mais velho que batia em nós teve meningite, foi pro hospital e nunca mais voltou. Deve ter morrido por lá. Não posso dizer que senti falta dele. Vivíamos doentes e tristes e eu ficava sem saber por que isso acontecia.

Morávamos numa lamaçal envenenado. Quando a gente começou a morrer, papai saiu pra trabalhar e nunca mis retornou. Também não nos fez falta. Aquilo não era lugar pra um ser humano morar e nem aquilo era uma família, éramos um bando de bicho que parecia gente. Passei meses e meses sem comer um pedaço de carne. E eu ficava sem saber por que isso acontecia.

Morávamos numa lamaçal envenenado. Nesse tempo comecei a pedir comida na rua pra não morrer de fome. Todo dia saia pedindo e voltava à tardinha com alguma coisa pro outros comer. Todo dia ia mais longe, até que um dia fui tão longe que não mais voltei.

Hoje, tou aqui com vocês e eu continuo vivendo de migalhas, mas sei o porquê disso acontecer e vocês também sabem.


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