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stávamos nós
conversando na despedida do semestre, a Casa Dom Luciano Mendes fecha por
trinta dias, quando um morador disse ao outro:
- Vamos ficar o mês de
julho mais sozinhos do que nunca.
E desabafou com
lágrimas nos olhos.
- Quando era pivete,
meus pais trabalhavam dia e noite quando não estavam desempregados. Não sei
qual era o período pior. Quando desempregados, bebiam e batiam na gente, somos
seis. Quando trabalhavam, davam lucros aos que empregavam eles, continuavam sem
dinheiro e nunca nos viam. Compravam fiado ao homem da bodega, que no fim
tomavam tudo deles. Eles ficavam com raiva do bodegueiro e iam beber e bater em
nós. E eu ficava sem saber por que isso acontecia.
Morávamos numa lamaçal
envenenado. Vivíamos num barraco com outra família, éramos dez. O divertimento
do filho mais velho do outro casal era bater em nós. Minha irmã mais velha
começou a namorar com ele para a gente apanhar menos. Pegou um bucho e ele não
quis mais saber dela. Papai botou ela pra fora de casa, nunca mais eu vi essa
minha irmã. E eu ficava sem saber por que isso acontecia.
Morávamos numa lamaçal
envenenado. Nesse amontoado de gente no meio do lixo, de nossas necessidades e
dum poço d’água, sobrevivíamos. Não tínhamos dinheiro, morávamos no meio do entulho
e da fossa, e cheios de doenças que se espalhavam entre nós. Perdemos dois com
tuberculose. Devo ter tido, não sei como me curei. O mais velho que batia em
nós teve meningite, foi pro hospital e nunca mais voltou. Deve ter morrido por
lá. Não posso dizer que senti falta dele. Vivíamos doentes e tristes e eu
ficava sem saber por que isso acontecia.
Morávamos numa lamaçal
envenenado. Quando a gente começou a morrer, papai saiu pra trabalhar e nunca
mis retornou. Também não nos fez falta. Aquilo não era lugar pra um ser humano
morar e nem aquilo era uma família, éramos um bando de bicho que parecia gente.
Passei meses e meses sem comer um pedaço de carne. E eu ficava sem saber por
que isso acontecia.
Morávamos numa lamaçal
envenenado. Nesse tempo comecei a pedir comida na rua pra não morrer de fome.
Todo dia saia pedindo e voltava à tardinha com alguma coisa pro outros comer.
Todo dia ia mais longe, até que um dia fui tão longe que não mais voltei.
Hoje, tou aqui com
vocês e eu continuo vivendo de migalhas, mas sei o porquê disso acontecer e
vocês também sabem.
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